terça-feira, 22 de novembro de 2016

Etapa 149 - A Lenda do Barco Moliceiro da Ria de Aveiro - segunda parte

      No cumprimento do que ontem prometi, venho nesta etapa concluir o conto da Lenda do Barco Moliceiro da Ria de Aveiro, que por ser um texto bastante extenso, o dividi em duas partes, e, ao terminar a primeira parte, como podem conferir, eu disse que, o rapaz (Ramiro) bateu à porta da choupana, gritando:

      "Ti Barb`ra! Ó ti Barb`ra!
      Dai a pouco a porta abriu-se e Ramiro viu uma velha toda vestida de negro e com uma vela na mão, cuja chama tremulava com a ventania cá de fora.
      - Entra, filho! - disse ela, com uma vos que lembrava uma gaita desafinada. - Eu sabia que vinhas. Apesar de valente como poucos lá da terra, Ramiro hesitou por um instante, perante aquela figura sinistra, que mais parecia já não ser deste mundo, de faces cor da terra, um lenço preto à volta da cabeça, de onde caíam umas farripas de cabelo completamente branco, nariz afilado como uma faca, curvo como o bico do mocho e uns olhos pequeninos, encovados, escondidos num montão de pregas da pele toda engelhada.
      - Entra, filho! Não tenhas medo! - insistiu a velha.
      Lá dentro havia uma fogueira e uma panela de barro sobre uma trempe, de onde saía uma vapor que se desfazia no ar. As paredes de madeira davam a impressão de estar dançando com o reflexo das labaredas. Ao fim de algum tempo, começou a perceber que havia uma mesa no meio da choupana e que três gatos pretos dormiam ao pé do lume, aquecendo-se no braseiro.
     - Ti Barb`ra, eu venho cá por causa de - começou Ramiro.
     - Não precisas de contar, meu filho, que eu sei tudo! Senta-te aqui à mesa!
     Lá fora, o temporal continuava. A chuva e o vento faziam abanar a cabana, como se a quisessem derrubar. Sentaram-se à mesa, em bancos de madeira, um de cada lado, de modo que ficaram frente a frente. Ramiro viu então uma caveira sobre a mesa e teve um sobressalto.
     - Não te assustes, meu filho! - tornou a velha. - É nisto que se transformam as belezas do mundo, os bons e os malvados, os ricos e os pobres. Eu sei que gostarias de ver a tua sereia transformada em mulher. Vou-te dizer o que tens de fazer. Não é difícil, mas desde já te aviso; o que vais fazer só pode ser feito uma vez; se correr bem, a tua amada sairá das profundezas das águas em forma de mulher e assim permanecerá para sempre, se correr mal, nunca mais a verás, nem mesmo sob a forma de sereia.
     - Estou disposto a tentar seja o que for - assegurou Ramiro.
     Então, a velha explicou tudo, tim-tim por tim-tim.
     - Primeiro, vais construir uma casa de madeira, na duna, no sítio que chamam Costa Nova, pintando-a às riscas da cor que mais gostares, alternando com branco, por causa do mau olhado, depois, vais pescar a Lua Cheia.
     - Pescar a Lua Cheia? - perguntou ele incrédulo.
     - Foi isso mesmo que eu disse - continuou a velha. - Metes-te no barco numa noite de Lua Cheia, vais vogando até onde vires o astro reflectido na água. Ai, paras e lançando a rede, puxa-la devagar, de modo que traga a Lua inteira lá dentro. Então, só tens de ir até à casa nova e atirar a rede para o seu interior e logo verás a mulher que foi sereia a sair da água e a entrar em casa. Pode parecer que é tudo fácil, assim, mas o grande problema é que nem a Lua te pode ver nem pode haver o menor ruído até que chegues a casa com a Lua dentro da rede. Não te esqueças! Ao mais pequeno barulho, estará tudo perdido. Ah! ainda uma outra coisa,; Não podes contar isto a ninguém, nem mesmo à tua madrinha. Para te não esqueceres de nada, repete lá tudo até haveres decorado todos os passos a seguir!
    Três meses levou a fazer a casa e a preparar o moliceiro, pondo na parte superior da proa um acrescento em forma de quarto crescente, o qual, cobrindo-o, não deixaria que a Lua o visse. Numa noite de Lua Cheia, meteu-se no barco, foi até onde se via a Lua toda reflectida na água, atirou com cuidado a rede em toda a sua volta e foi puxando, vendo com satisfação que a bola branca vinha dentro dela. Seguiu então na direcção da casa que fizera, aproou na areia e saltou para terra, sempre com a rede fechada na mão e a bola luminosa lá dentro aprisionada. Foi então que o silêncio foi quebrado, porque uma gaivota que dormia na praia, ia sendo pisada por Ramiro e levantou voo a grasnar, cheia de medo. Quando o grito da ave atravessou o silêncio da noite, a bola branca desapareceu de dentro da rede e tudo ficou perdido.
     O pescador tornou ao barco, navegou até uma covas que havia do outro lado da ria, saltou em terra, deitou-se no chão e chorou mil dias e mil noites sem parar.
     As lágrimas foram tantas, que encheram as covas e o Sol, secando a água, deixou-as cheias de sal.
     Tudo isto se passou há muitos, muitos anos, mas ainda hoje se podem ver as salinas, que são o sal das lágrimas que Ramiro chorou, tal como muitas casas que depois se fizeram na Costa Nova e, porque gostaram da que ele tinha feito, lhe seguiram a traça. O moliceiro, esse, continua a apresentar aquela proa em forma de quarto crescente..."

     O santo de hoje é: Santa Cecilia, Virgem e Mártir
     ( Roma + III) "Era pobre e cristã, e tinha feito voto de virgindade, quando seu pai a casou com Valeriano. De acordo com os costumes do tempo, não era necessário o consentimento da noiva para o casamento, e o pai de Cecília a casou sem tê-la antes consultado. Ela declarou ao marido sua condição de cristã e de virgem consagrada a Deus, e conseguiu convertê-lo, assim como ao cunhado, de nome Tibúrcio, sofrendo os três gloriosos martírios por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. Santa Cecília, cujo corpo foi reencontrado no século IX, é invocada como padroeira da música e do canto, porque de acordo com antiga tradição ela cantou, para Valeriano, a beleza da castidade, e o fez de modo tão eficaz que ele se determinou a respeitar na esposa o voto que ela fizera. Santa Cecília foi das santas mais veneradas desde tempos imemoriais, e teve seu nome incluído no Cânon da Missa. Ela tem a glória de se ter assemelhado a Maria Santíssima num ponto: ambas foram casadas e permaneceram virgens."

     Oração:- Ó gloriosa Santa Cecília, apóstolo de caridade, espelho de pureza e modelo de esposa cristã! Para aquela fé esclarecida, com que afrontastes os enganosos deleites do mundo pagão, alcançai-nos o amoroso conhecimento das verdades cristãs, para que conformemos a nossa vida com a santa lei de Deus e da sua Igreja. Revesti-nos de inviolável confiança na misericórdia de Deus, pelos merecimentos infinitos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Dilatai o nosso coração, para que, abrasados do amor de Deus, não nos desviemos jamais da salvação eterna.
     Gloriosa Padroeira nossa, que os vossos exemplos de fé e de virtude sejam para todos nós, um brado de alerta, para que estejamos sempre atentos à vontade de Deus, na prosperidade, nas provações, no caminho do céu e da salvação eterna. Assim seja.

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